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28 de janeiro de 2007

When Did You First Fall In Love With Hip Hop?*

Escrever sobre os grandes ícones da longa história da música é uma tarefa que, ao mesmo tempo, é um tanto quanto difícil e redundante. A dificuldade mora no fato de que tudo o que se poderia dizer sobre Van Morrison ou Bob Dylan, por exemplo, já foi aparentemente dito. E como se não bastasse mesmo que alguém ouse a realizar tal tarefa, ainda que você não tenha lido nada sobre ambos, soa, por muitas vezes, familiar a outros tantos trabalhos. Deixarei os Deuses em paz.
Porém, escrever é um vício incorrigível. Então sinto me obrigado a escrever sobre o que muitos críticos brasileiros ortodoxos torcem o nariz e/ou fingem ignorar: o atual rap norte – americano, mais especificadamente sobre Kanye West e o soberbo disco Late Registration.

Breve histórico:

Kanye West nasceu no dia 08 de junho de 1977 e é natural de Atlanta, Geórgia, EUA. Antes de ingressar a carreira como rapper West estudou na The American Academy of Art, de Chicago, e trabalhou como produtor de uma infinidade de artistas como Mos Def, Alicia Keys, Eminem, entre tantos outros.
Depois de elogiadas (e premiadas) parcerias junto a Jay – Z (o Midas do Hip Hop), West, com o incentivo do próprio Z, em 2004, lançou o seu debut The College Dropout que contou com as participações de alguns parceiros com quem já havia trabalhado, como Mos Def, e abriu novas portas para seu trabalho.
The College Dropout foi bastante elogiado por toda a crítica mundial e fora nomeado em várias categorias do Grammy daquele ano (incluindo melhor gravação do ano) e venceu nas categorias de melhor disco de rap e melhor canção de rap por “Jesus Walk”.

Late Registration

Lançado em 2005 Late Registration, seu segundo álbum, colocou definitivamente o nome de Mr. West em voga.
Produzido por Jon Brion (famoso pelo ótimo trabalho realizado a cantoras pop como Fiona Apple e Aimee Mann) e o próprio West, o disco é um grande trabalho e leva o rap a patamares louváveis que não eram alcançados há alguns anos.
Diferenciado de outros produtores como Missy Elliot e Timbaland (cujos trabalhos foram esmiuçados de forma grandiosa pelo crítico musical Simon Reynolds no livro Beijar o Céu) que criam batidas quebradas e geniosas em prol da revolução, West opta por dialogar com velha geração através de samplers como bem fez Moby em Play.
Logo no início "Someone That I Used To Love" de Natalie Cole conduz de forma “manhosa” “Wake Up Mr. West” e “Heard ‘Em Say” canção que nasceu perfeita.
Em “Gold Digger” nada mais, nada menos que Ray Charles (via Jamie Foxx em Ray) e sua “I Got a Woman” criam um blues – rap de primeira linha.
“My Funny Valentine” (na versão de Etta James) contribui na percusiva e melodiosa “Addiction”.
“Diamonds From Sierra Leone” conta a presença de Jay – Z e Shirley Bassey é sampleada através do tema que compôs para 007, “Diamonds Are Forever”.
Curtis Mayfield e Otis Reading são alguns dos outros homenageados no decorrer do álbum.
West faz parte do seleto grupo no meio hip – hop os chamado de gangsta que basicamente versam sobre quatro coisas específicas: dinheiro, mulheres vagabundas, carros e drogas. A vida, ao ouvir canções compostas por este gueto, se assemelha há festas intermináveis. E claro essas referências estão todas lá, mas não somente desse tema gira em torno do álbum.
Politicamente correto, West “dispara” suas rimas também a George W. Bush e Ronald Reagan em “Crack Music”. “Diamonds From Sierra Leone” versa sobre a guerra civil instaurada há anos no país.
“Roses” (cuja base é construída na bela “Rosie” de Bill Withers) o rapper chora a perda de uma amigo homossexual vítima de AIDS. Sua mãe é também homenageada em “Hey Mama” cuja sonoridade se assemelha a uma canção infantil reflexo da letra no qual West retorna a sua infância, aos tempos felizes em que sua mãe o levava para a escola.
A repercussão do álbum perante a crítica fora superior ao anterior. Prova disso a Rolling Stone e seu tradicional Top 50 anual agraciou com o primeiro lugar o disco que, novamente, concorreu ao Grammy nas categorias melhor álbum do ano e melhor disco de rap do ano, sendo vencedor na segunda categoria.Voltando e fechando o que me propus a escrever no início do texto, ignorar a relevância de artistas como Kanye West é uma grande estupidez. É certo que tudo o que de maravilhoso a música fora produzido a décadas atrás. Mas se faz necessário se reeducar quanto a produção atual. O mundo não vive somente de artistas pop fabricados. Volte e meia surge alguém, mesmo no mainstream, que quebra esse estigma. E Mr. Kanye West é a prova.
Então deixe o preconceito de lado e se renda ao que se produz hoje. Você pode se surpreender. Late Registration é um caminho possível.
*Frase síntese do filme Brown Sugar, incursão maravilhosa no universo da cultura hip hop.

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